quarta-feira, 20 de junho de 2012

A praieira e o voyeur



Noite de verão litorânea. O cheiro da maresia adentrava as janelas ornadas de cortinas de rendas próprias da cultura dessa região pesqueira. Cupins dançavam ao redor de tudo que iluminava - lamparinas, lâmpadas, velas e até da lua se conseguissem lá chegar, tomando carona numa estrela viajante, (momento Pequeno Príncipe), para atingir o astro das duas faces e fases rítmicas. Esse cheio de ciclos, regulador das marés, atraindo e repelindo, tal qual seres humanos em algumas fases da vida. Ouvia-se ao longe as buzinas dos cargueiros voltando à lida, uma vez que dinheiro não espera e empresário também não, enquanto não vêem a cor do dinheiro no bolso ou, pelo menos, os zeros saltarem as casas decimais. Os barcos de pesca preparavam-se para zarpar. Pescadores como vultos zanzavam pelas areias da praia onde a maré brava espumava ondas lânguidas as quais se moviam como serpentes junto aos pés de quem por ali passava. As baratas-do-mar ou tatuís, aos milhares, entorpeciam-se ao sabor das águas, refestelando-se das microscópicas algas abundantes nos mares quentes. Ao olhar para o chão, consequentemente para os tais bichos, tinham a impressão de que a areia respirava. Uma visão quase engraçada se já não tivessem acostumado-se com o furdunço dos tatuís esfomeados naquelas noites. Mulheres gritavam esganiçadamente por seus filhos que ainda se divertiam 'pegando jacaré' nas ondas negras pela falta da luz solar. Afinal, em uma noite quente, nada melhor que um banho de mar. Esse durante a noite é o mistério dos mistérios, enigmático como sempre, ele mostra a face sisuda, só amenizada pelas luzes dos barcos pesqueiros os quais parecem vaga-lumes dançando sobre as águas. Visão de sonhos. Os vultos correm de uma lado ao outro, as redes de arrasto e as luzes - Quão belas são as luzes desses barcos! - Parados ali, estrategicamente, esperando que os cardumes venham entorpecidos pela fagulha narcótica aos seus olhares submarinos. Saias brancas e vestidos florais secam balançados pelo vento marinho, dependuradas em varais de arame liso. As varandas rusticas com cadeiras de vime, as samambaias-choronas ressequidas em virtude do sol e sal. Três passos além da escada de madeira, após a porta de entrada da casa fica o quarto. Quarto esfogueado, cama baixa, lençóis bordados com muito lavor em formatos de estrelas ou flores, dependendo da interpretação de quem olha, janelas grandes e as cortinas, repito, de renda trabalhada, cheirosa, airosa, vaporosas linhas que se confundiam com os pensamentos de quem se deitava na cama, onde chegavam, balançando-se calmamente, vaivém, vem-vai. Melindroso este vento que refresca as noites tão calorosas. Quase as refresca, uma vez que o calor é demais. Ali, recostada à cama, ela tecia fantasias. Moça de tenra idade, chegando aos 24 anos. Cabelos longos, pele queimada do sol, pelos dourados, olhos penetrantes. As mãos alisavam os seios embaixo da camisola de rendinhas brancas, plissada no bojo tal qual uma fada das florestas tropicais. Mãos suaves, dedos compridos e intrépidos, sabiam bem onde queriam chegar, segurando e apertando, mexendo e remexendo, molhados, travessos, (intro)metidos de alto a baixo. Sensoriais vagas percorriam o quarto abafado. A janela aberta não era problema - a grande ansiedade era o que fazer para satisfazer o desejo daqueles dedos. Unhas bem-feitas, limpas, cortadas bem rentes à carne. Nada de exageros quanto à cor dada a elas. Sempre claras. Durante o dia limpava peixe no mercado. Sozinha morava, após a morte da mãe. Ainda não se decidira quanto ao ato. Prendia-se, por ora, à imaginação. Se é possível prendê-la já que aquela criava asas e alçava os mais fantásticos voos. Carícias suaves eriçavam os pelos da púbis. Molhava os dedos no sulco róseo e, com agilidade, movia o médio para cima e para baixo numa sonoridade constante, quase como o dedilhar de um baixo. Fazia isso todas as noites, enquanto esperava que o sono chegasse. Movia as mãos pelo corpo, aquela pele macia com cheiro de alfazema e sabão de coco. Dentre as imaginações favoritas, escolhia a submissão. As mais profanas e inebriantes sensações de prazer, o qual ainda começava a decifrar, voejavam da cabeça às mãos, das palmas aos dedos. Todos usava, porém o que lhe atingia em cheio era o médio, quando se deliciava. A barriga reta, de mulher ainda moça, nua e tremulante como a flamula do exércitos dos prazeres, agitada pelo vento morno, ventos excitados da mente sedenta. Fartava-se com aqueles momentos. A região baixa umedecia-se cada vez mais a medida que os movimentos e toques sobre a pele ficavam estonteantemente frenéticos. Crescendo e crescendo, como a lua em sua trajetória, já sem a camisolinha de renda, as nádegas expostas eram também como o astro, cintilavam sob aquela energia magnética. A essa altura, magnética era ela, mulher-desejo, prazeres recônditos emergindo como os cardumes lá fora. Saltando, o clitóris latejante, a púbis delirava. Esticada na cama, com as mãos ainda em posição, introduz o dedo na fenda apertada, molhadinha, com cuidado para não se machucar. Em um brusco assomo, chegou a estremecer. Curvou-se para frente e para o lado, simultaneamente, enquanto se tocava por dentro, ritmadamente, como uma música tocada por hippies durante os luaus na praia. Ela gemia, ela arfava. Contorcia-se e mordia os lábios. Lembrava-se do filme que assistira na TV, da mulher montada no homem amarrado à cadeira com as mãos para trás e de vendas nos olhos. Possuía fascinação pelas algemas, um prenúncio do fetiche. Enquanto, no filme, o homem devorava a vagina da personagem, (ela se lembrava de cada detalhe), o dedo médio entrava e saia da cavidade apertadinha. Depois ia até o clitóris e ali permanecia até a excitação ficar tão grande que para não chegar ao fim da brincadeira, ela suspendia aquele ato e tornava a colocar o dedo na cavidade, enquanto a outra mão apertava os seios túmidos, rosados, os quais ela desejava chupar, porém não tinha elasticidade o suficiente para tal proeza.
O fascínio ainda era pela submissão. Ser submetida e submeter o outro. As algemas brilhavam, rebrilhavam naquela mente incendiada. Os toques aumentavam, a vulva inchava de tesão, o clitóris duro como um membro ereto. Retirou aquele dedinho lambuzado e já não se aguentando mais tocou o "membro" duro e recomeçou veloz e ritmicamente. A mão que acariciava o seio, desceu até o quadril que ondulava feito as ondas na praia. Em um despertar de consciência, apertou o quadril com toda força enquanto o médio continuava frenético. Gemeu! Gemeu deliciosamente. Uma, duas, três vezes. Por fim, contorceu-se para frente e num Aaaaa! gozou por fim. Gozou com gosto, chupando os dedos após, movida pelo desejo de experimentar o sabor do prazer. Sim, as algemas faziam efeito em sua mente. Sentia-se devassa, deliciosa, satisfeita e plena em tudo. Agora o sono chegara. Adormeceu com a mão sobre a púbis. Nua. A luz da lua entrando no quarto também se deliciava com a visão orgástica. Enfim, prazer! Dela, dos cupins, dos vaga-lumes, das ondas, dos barcos e peixes, dos tatuís esfomeados e da lua namoradeira-voyeur das moças desejosas e casais inebriados. 
Por esses dias, caminhando pela rua, reparava a cintura dos policiais, buscava o objeto de desejo, ofuscante brilho. Imaginava-se amarrada, cabelos puxados com gosto, mãos alisantes em seu corpo. Pensava, também, em como eles - policiais - ficariam de quatro, com as mãos para trás e as vergonhas expostas, sendo montados por uma potranca ainda virgem, mas cheia da malícia das ninfas do mar.


Umedecem os dedos sedentos
mornos nos sulcos vibrantes
lânguidos abrem-se invólucros
botão carmim projetado
pétala de quimera
amordaça
o cambaleante cega na esquina
rubros são todos recatos
onde desfaço nós um-a-u(m)
fim no começo


resistem os tecidos em forma
invadidas lagoas com (c)oral
estimulam os membros perdidos
prenuncia-se extremo final


molhado qual néctar dos deuses
poléns envolvem
escorre o hibisco vernal
sorr(Í)sis


rodeio estes montes perfeitos
tremula a flâmula inVentre
lavor de homem danado
tachado rosto saliva V(e)
vales dos saborosos desejos
Vivazes

Joice Furtado - 20/06/2012

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