quarta-feira, 28 de março de 2012

A agência


Foto: Google

Tirava a roupa como uma dama. Graça e delicadeza a acompanhavam nessa jornada de mãos que deslizavam por suas curvas definidas, definitiva materialidade do imaterial desejo. Beleza transbordante em cada poro, no viço daquela pele iluminada pela manhã. Meias-calça, calcinha de renda, ia removendo cada peça a seu tempo, suave, sem pressa. Seda na cama era o seu luxo, não abria mão de um quarto com lençóis e fronhas macios onde pudesse desfrutar das horas de descanso. Quarto arrumado, limpinho. Contratara uma diarista que comparecia no local, duas vezes por semana, segundas e quintas. Flores, também, sobre o criado mudo e a penteadeira. Em uma mesinha onde punha os livros de Clarice, tão amados. Aqui haviam flores também, margaridas coloridas, adorava as vermelhas, mas não fazia distinção de cores quando o assunto eram flores. Todas elas agradavam o seu coração, alma com resquícios de ingenuidade de mulher em seus vinte e poucos anos. Chega uma certa idade em que paramos de contar! Tapetes no chão e cobertas macias de veludo. Estava frio, porém, dispensando roupas mais pesadas, ela se protegia com cobertores aveludados e edredons de linho. Quase sempre dormia nua, quando tinha tempo para retirar maquiagem e roupas. Quando não, deitava paramentada, exausta rendia-se ao sono nem sempre reparador. Pela manhã, despindo-se, princesa com garbo, maravilha da natureza resplandecente. Todos diriam ser a mulher mais decente, porém, sua decência estava em seu caráter firme, voz delicada e charmosa, porém, avassaladora comandante de si mesma. Continuava seu ritual matutino, depois de uma noite turbulenta nos bueiros enfestados de ratos sujos, bares da Cidade Alta onde fazia seu ponto. Mulher de rara beleza, crescera em uma vila humilde, pai marceneiro e mãe lavadeira. Ela e mais dois irmãos eram a agitação do bairro, alegria da família. Não tinham muitos luxos, ganhou uma única boneca aos seis anos de idade, da qual nunca se separou, mesmo nessas alturas da vida guarda-a com carinho entre os lençóis macios do seu guarda-roupas. Aos quinze anos de idade, formada moça, companhias não lhe faltavam na escola. Época em que a chamavam de Seriema devido às pernas e cochas finas. Apelido esse que lhe causava muitos complexos e, sendo um pouco impaciente, partia para cima de quem gritasse ao longe: Lá vai a Seriema. Coisas de adolescentes implicantes, todos observadores, apaixonados platônicos. Em especial, reparava em um, Ricardo, o mais implicante dentre eles. Não podia ver a moça passar pelo corredor da escola que se juntava em uma rodinha ou corriola como diziam naquela época. Xingavam a moça de Seriema metida e, Ricardo, quase sempre lhe puxava o cabelo comprido. Madeixas castanhas compridas, um pouco alouradas pelo sol. Vivian, era o nome da coitada Seriema, xingava os garotos utilizando nomes ingênuos os quais nem poderiam ser considerados baixos. Babaca, idiota e filho da mãe. Ah, Vivian, ainda não sabia bem o que era xingar. Menina da periferia, brincava de boneca até os quatorze anos, uma das únicas amigas que tinha, já que era ela e mais dois irmãos mais novos, Tiago e Filipe.
Largou a boneca aos quinze, quando os rapazes, mesmo implicantes, começaram a lhe encarar na escola e pelas esquinas das ruas onde passava. Momento esse em que também ficara moça, com pequenos, mas firmes seios, magra e alta, parecida com aquelas modelos internacionais.
Crescia em beleza, esperteza e atitude, a doce mulher da periferia de Belo Horizonte. Quando completou dezessete anos resolveu que seria modelo. Arrumou um emprego em uma loja de sapatos, muito chique por sinal, onde sua mãe tinha amizade com a dona para a qual lavava roupas. Agora, com seu próprio dinheiro, independência financeira, não total, pois ainda vivia com os pais. O que não pretendia fazer por muito tempo, uma vez que, dizia ela: Eu vou crescer na vida! Era uma boa filha, ajudava em casa, as despesas eram grandes, porém sempre dava um dinheiro do seu pagamento para a mãe, Carminda, a forte senhora lavadeira.
Aos dezoito, estava sentada a mesa de uma padaria, junto do primeiro namorado, namoro sério, o primeiro que firmara, Cássio era seu nome. Um rapaz elegante, estudante de direito e promissor filho de advogado - quando fora abordada por um sujeito barbudo, meio ri-pongo, vestido com calças largas e coloridas feito anos 70 e blusas com temas de igual teor, o qual se dizia olheiro de uma agência de modelos, Sérgio era o seu nome.
Vivian, empolgada com tudo aquilo, achando que seria a sua hora de dar um rumo na vida, acompanhada por Cássio, compareceu à Agência de modelos que lhe indicara o sujeito.
Chegando lá, foi recebida por vários desses indivíduos metidos a estilistas, todos com roupas parecendo de grife, porém que ninguém usaria se estivessem com a cara limpa, talvez alcoolizados poderiam usá-las sem se constranger com os olhares repreensores. Convenciam-na de que seria modelo, uns diziam: — Sua beleza é estonteante menina! Nunca vi ninguém assim! Sério? Vivian, perguntou. — Mas é claro que sim, minha querida, Sérgio replicava com veemência em voz afetada.
A moça toda entusiasmada já imaginava a hora de estar nas passarelas de Roma, Nova York e Paris, deslumbrante naqueles vestidos e roupas complexas. Sérgio disse que ela voltasse dali a sete dias, com o dinheiro para o livro de fotografias ou book, simplesmente.
Durante a semana, Vivian convenceu a família a lhe arranjar uma parte do dinheiro e, pedindo um vale à Luíza, dona da loja de sapatos onde trabalhava, disse que era para pagar as contas de casa que estavam atrasadas, a ponto de serem cortadas a Água e a Luz.
Chegado o dia marcado, Sérgio disse que a moça fosse desacompanhada, a fim de que não ficasse constrangida devido a presença dos parentes ou namorado. Levaram-na para a sala toda produzida. Vivian fora maquiada com capricho, por maquiadores profissionais, pelo menos pareciam ser.
Fotos ousadas pediram. A moça não entendeu muito bem o porquê de tantas caras e bocas, ainda tímida sob os olhares curiosos dos funcionários da Agência. Estranhou quando lhe pediram que tirasse a roupa e ficasse somente de calcinha, tapando os seios com as mãos em uma pose meio "cachorra" a qual ela detestou fazer, resmungando muito, enfim concordou.
A partir desse dia, toda semana haviam eventos, o cachê era pequeno, R$ 300,00 para cada lugar que comparecia. Festas em boates para empresários, aniversários pessoas ilustres - atores e músicos, donos de lojas, festivais de gastronomia e tudo mais que exigisse a presença de pessoas bonitas que, diziam, ser um chamariz de dinheiro. As coisas foram ficando sérias, mais e mais eventos, até o dia em que Sérgio, com aquele jeitinho peculiar, cercou a moça na porta da Agência, puxando-a para um canto e lhe fez a seguinte proposta: Que tal a princesa ganhar R$ 1.000,00 por evento? — Como? Quando será isso? Perguntou Vívian. Sorrateiro, Sérgio com aquele olhar de raposa ladra de ovos, apenas disse: Você quer ou não quer? — Eu quero! Porém, que tipo de trabalho é esse? Um pouco ressabiado, Sergio baixou mais a voz e disse quase sussurrando: —  Você quer acompanhar um senhor numa festa na Cidade Alta? O que, acompanhar como assim, pergunta ingênua para uma moça de 18 anos, enfim, Vívian ainda não estava acostumada com as mazelas desse mundo, ou melhor, submundo. Sérgio prometendo fama, contratos com revistas e tudo mais a moça, que, encantada com tais ofertas disse que iria pensar. No mesmo dia, ligou para a amiga Carla e combinou com ela de irem no bar do Zeca tomar uma cerveja e conversar.
Carla, chegou toda apressada, pois como ela mesma dizia: — Eu nunca consigo sair de casa a tempo de chegar na hora nos compromissos. Minha mãe sempre me fala que isso é uma falta de compromisso e, consequente, falha em meu caráter, pois eu sou preguiçosa.
Vivian estava esperando por Carla, já tomando uma cerveja, para conseguir desenrolar a conversa com a amiga. Sem rodeios, disse: Amiga, eu estou numa sinuca de bico, não sei o que devo fazer, preciso do dinheiro para  minha carreira deslanchar. Iludida, Vívian, pobre coitada! Não imaginava em qual situação iria entrar. Só o que pensava naquele momento era no dinheiro, na fama.
Carla, outra desorientada das idéias, aconselhou a amiga que fizesse de tudo pela carreira. — Não perca seu tempo, dizia ela, chances assim não ocorrem todos os dias!
Vívian, sob o aval da amiga, a doida varrida da Carla, aquela sujeitinha safada que morava na esquina do bar do Zeca, não pensou muito e resolveu aceitar a oferta de Sérgio. Pensou consigo: — O que tem demais em acompanhar, depois, eu não vou fazer nada demais. Imbecil mesmo essa Vívian.
Estava lá, a moça arredia ainda a pouco, mostrando seu belo corpo, posando como troféu ao lado de homens, mulheres e gente de todo tipo, credo e opção.
Durante a festa, o jovem empresário, Maicon, vulgo Maiky, dono da Boate e organizador da festa de aniversário do amigo Robson, Robinho; exibia a moça como sua nova mercadoria. —  Venham, conheçam minha amiga Vívian. A moça sorridente, envolvia os olhares, lobos vorazes que lhe despiam com olhos de fogo sem nenhum pudor. Gracejos, cantadas, mãos bobas pela noite a fora. Vívian via o mundo no qual pretendia estabelecer-se ainda deslumbrada, achando que estava para tirar o pé da lama.
Ao final da festa, os amigos de Maiky já apostavam com ele quanto tempo o cara iria aguentar com aquela potrinha. Isso aí, potrinha! Nomenclatura totalmente vulgar que alguns homens imundos usam para descrever as moças de dezoito anos. Maiky e Robinho pretendiam fazer uma festinha particular depois daquela na qual estaria a graciosa Vívian, a nova refeição.
Despedidas a parte, Maiky ofereceu carona a Vívian, pois a essas alturas não haviam mais ônibus para a periferia de BH. Vívian relutou em aceitar, mas, com os pés já inchados de tanto ficar de pé, resolveu que iria com Maiky até próximo de sua casa.
No meio do caminho, Maiky parou no acostamento da pista, no sentido contrário ao informado pela moça, dizendo:  — E aí moça, o que será? Vívian, estupefata, não sabia o que dizer. Sentiu medo e pensou sobre o que estava fazendo ali. Vívian, mesmo com dezoito anos ainda era ingênua, mesmo já sendo mulher formada, uma vez que perdera a virgindade aos 16 anos com Ricardo, aquela mesmo, o da escola que lhe xingava de Seriema. Isso, quando "ficava" com o mesmo em uma festinha organizada para "pegar as meninas", articulada pela corriola do rapaz, esse que lhe levara para o quartinho dos fundos da casa dos pais dele dizendo que era para eles ficarem mais a vontade. Vivian, bêbada e songa que só ela mesma, naquela época, foi com Ricardo o qual apostara uma caixa de cerveja com os colegas que "comeria" a Seriema naquela noite.
Depois do ocorrido, Vívian passou um bom tempo sendo motivo de chacotas na escola. A Seriema que o Ricardo comeu, regada com bastante cerveja.
Momentos difíceis para a jovem que não aprendera com o acontecido, caindo de novo no mesmo truque do inferno. Ali, no carro de Maiky, meio sem rumo, tremia e se sentia acoada como animal estúpido na beira da estrada. Maiky não era do tipo bruto, cheio de galanteios ofereceu dinheiro para a moça, bastante por sinal. Dizia: Você vale a pena, esse corpinho lindo e firme que você tem já me convenceu a dar o que quiser. Nem tão ingênua assim, quando ouvir a frase: "Eu lhe dou quanto quiser!", seu coração disparou e veio aquela vozinha: É só hoje, Vivian, porque não. Riu por dentro porque a vozinha era igualzinha da Carla, sua amiga. Pedindo o dinheiro adiantado, digamos que não era tão estúpida assim, R$ 1.500,00 pela noite. Parte já iria receber por ter comparecido a festa, já estava acertado com o Sérgio, que levava quinhentinhos nessa parada aí. Dessa forma, naquele momento, Vívian fazia a sua opção, prostituta de luxo iria ser. Mil e quinhentos reais aquela noite, só aquela - pensou.
Muitas noites mais chegaram, nada de fama, só algumas revistas pornôs baratas e filmes do mesmo cunho. Vívian alcançara os seus 24 anos, idade em que as modelos estão no auge, fazendo servicinhos para empresários, homens, mulheres, casais e tudo o que aparecia onde rolava um bom dinheiro.
Não tinha fama, a não ser a de piranha de luxo, alardeada pelas vizinhas fofoqueiras do prédio onde agora morava, depois de ter saído da casa dos pais, com medo de descobrirem o que ela fazia naqueles supostos eventos. Continuava linda, uma mulher encantadora, sinceramente, de cair o queixo. Durante todo o dia dormia em seu apartamento comprado a custa de muitas "noites de prazer" com empresários, deputados e o que mais havia. Treinada na arte do kama e cumasutra. Língua e mãos, buça e rabo era os seus instrumentos de precisão. Manobrava como ninguém a xana quando estava cansada e, ainda precisava atender os clientes que lhe ligavam para "agendar o serviço". Xique, a gata, agendava os programas e, muitas vezes, escolhia os clientes, não muito pela aparência, eram escolhidos mais pela grana e privilégios que iriam oferecer. Vida de rua é dura, há sempre os brutos, aqueles que nem querem nada a não ser me ver tirando a roupa, os que só desejam conversar. Enfim, é o meu trabalho dizia ela ao celular para a velha amiga, despirocada, Carla.
Na esquina, já conquistada por ela, disputada no tapa com a Patrícia Cinderela, travesti barraqueira que ameaçou Vívian de morte certa vez. Nada mais temia, aquela moça da periferia, encontrara a sua fama. A tão sonhada carreira desandara e o seu futuro só a ela pertencia. Por mais de três anos não via os pais e irmãos. Tinha vergonha deles saberem a sua profissão. Antiga e, porque não dizer, digna profissão, uma vez que atuava por sua conta em risco num "negócio próprio", autônoma dama da noite de BH. Sonhar, para que sonhar? Botava o dinheiro no bolso e ia para o shopping gastar com sapatos, roupas de marca, perfumes, bijuterias. Tudo que era caro ela tinha. Homens não lhe faltavam, além dos clientes eram mais dois namorados para escolher, Cezar ou Renan, os quais nem imaginavam que sua garota era "do ramo", mas aproveitavam daquele dinheirinho fácil o qual sempre pediam emprestado a ela. Vívian tinha um lema, algo assim como uma filosofia zen do desapego e que desapego:
Mulher vagabunda nunca mente para um homem até porque ela sabe bem o que quer e nunca espera nada dele a não ser o que lhe convém.

Joice Furtado - 28/03/2012

Deixando claro que essa é uma história fictícia, e que embora hajam casos de aliciamento a prostituição, existem Agências e profissionais modelos idôneos. É sempre bom conferir os trabalhos, a credibilidade de uma Agência. Assistimos, quase todos os dias, na TV que existem profissionais e, também, pessoas de má índole nesse meio.

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